Recentemente, estava mestrando uma campanha em estilo Anime para o meu jogador de teste. A campanha consistia em uma mistura de características de Bleach e Mahou Shoujo (principalmente, Madoka Magica).
A situação encontrada inicialmente pelo personagem jogador, chamado Takashima Aoi, foi a seguinte: ele possuía uma empresa de programação de computadores, uma esposa fiel e durona, uma linda filha, e dezenas de conhecidos da época em que era um membro de gangue. Um personagem interessante, com bastante potencial.
Mas no final, morreu como um Eremita.
Acho que sei o que deu errado: Enquanto eu mestrava usando um paradigma apropriado para a campanha, o jogador usava o paradigma do mundo real (também conhecido como “senso comum”).
Basicamente, a vilã (uma garota mágica chamada Darky) hospedou-se na pensão da esposa do personagem (que se chama Takashima Asura). A vilã havia atacado a filha de Aoi anteriormente, então a presença de Darky na pensão era extremamente desconfortável.
Acho que foi aí que a coisa desandou: na maioria dos animes, existem os Laços, que são ligações emocionais que surgem até mesmo entre os piores rivais, desde que eles convivam por algum tempo. Ou seja, a vilã hospedou-se na pensão, na verdade, para tentar conhecer a pessoa que deixou ela escapar com vida. Ela mesma não podia escapar do “Paradigma dos Laços”.
Porém, como o jogador estava seguindo o nosso “senso comum”, a primeira coisa que ele fez foi tentar livrar-se de qualquer maneira de Darky, mesmo que fosse de modo ilegal. E que garota grudenta ela se mostrou!
Darky
As sessões que “desandaram” aconteceram da seguinte forma:
1 — O jogador, como Aoi, primeiro tentou expulsar Darky da pensão, dizendo que a pensão estaria lotada pelos próximos 4 meses. Não adiantou, pois ela já tinha um quarto reservado pelos próximos 80 anos;
2 — Então, Aoi chamou a polícia dizendo que Darky estava lá sem seu consentimento (a pensão era da sua esposa e a documentação da Darky conferia como a de um hóspede);
3 — Pela parte da manhã, Aoi e Darky foram para uma “audiência de conciliação”, onde Aoi começou a desmentir seu advogado toda hora, enquanto os advogados de Darky (e supostos pais) riam da situação;
4 — Aoi disse ao juiz que a pensão estava falida e que ela iria fechar em uma semana;
5 — Finalmente, Aoi transferiu todo o dinheiro da conta conjunta que ele mantinha com sua esposa para a conta da sua empresa (80 anos de pensão pagos adiantado, num prédio que ficava na zona urbana de Tóquio).
De acordo com o senso comum, isso seria suficiente para expulsar uma garotinha podre de rica de uma pensão? Talvez. O problema é que Darky era uma espécie de “Charisma Breaker” e o Paradigma do Laço acabou falando mais alto:
1 — Para lotar a pensão, Aoi chamou TODOS os seus ex-colegas de gangue (Lembrem-se de que se trata de Anime, então todos os ex-colegas de gangue de Aoi eram pessoas de bem, gente produtiva para a sociedade, que não fariam mal a uma mosca, muito menos para a esposa e a filha dele). Darky acabou fazendo amizade com todos eles;
2 — O policial reconheceu Aoi como “aquele que devia se lembrar do que fez no passado”. O jogador, claro, ficou puto com isso (quem não ficaria) e acusou o policial de “abuso de autoridade”. O policial retrucou que apenas faria seu dever, e não tinha motivos para desconfiar de uma garotinha;
3 — Darky não precisou participar da audiência, então usou esse tempo para conhecer a filha de Aoi, Takashima Miuri. Ela aproveitou para pedir desculpas pelo ocorrido. Darky acompanhou Miuri até em casa, quando teve uma séria discussão com Asura. Tudo terminou com as três - mãe, filha e vilã - cozinhando um ensopado juntos;
4 — Ao ouvir isso, o advogado de Aoi, Miura Miyagi, achou que algo estava muito errado: ele era a voz que Aoi procurava para assuntos jurídicos na empresa e estava sendo desmentido toda hora. Miura também teve uma madrugada para buscar informações pertinentes ao caso, que incluiam o fato da pensão estar lotada para os próximos 4 meses. Sim, Aoi estava surtando e era melhor para Miura concentrar suas energias nos danos que seriam causados à empresa;
5 — May telefonou para Aoi perguntando se foi ele quem injetou uma quantidade absurda de dinheiro na conta da empresa. Como foram descobertos vários caixas dois na empresa (em uma sessão passada), a empresa estava na mira da Receita Federal, o que significou que as contas da empresa foram congeladas após a injeção de dinheiro. Nessa hora, Aoi começou a dar ordens altamente destrutivas à May, coisas que fariam a empresa ir à bancarrota. Como May era uma espécie de “Pepper Potts” da empresa, ela pediu demissão para adquirir liberdade de ação suficiente para, pelo menos, tentar salvar os empregos dos funcionários;
Takashima Aoi
Após um dia realmente atribulado, encontrar todo mundo junto tomando ensopado seria algo trivial pelo Paradigma dos Laços, mas isso foi demais para Aoi. Acho que as coisas aconteceram nesta ordem:
— Aoi disse à sua filha Miuri que não gostava de Darky;
— Como uma boa filha, Miuri falou coisas dolorosas para Darky, do tipo que apenas uma criança poderia falar a outra;
— Darky sai chorando da pensão, deixando os Ex-Membros de Gangue indignados por Aoi ter usado a filha para “tal ato vil”;
— Aoi então passa um bom tempo falando para a esposa TUDO o que ele fez para chegar a esse resultado. Pela manhã, ela avisa que vai abrir uma conta pessoal - ou seja, ela não mais achava que Aoi era confiável para cuidar do dinheiro DELA. Shit Happens;
— Uma briga feia aconteceu, na qual Aoi falou na cara da Asura que ela não confia mais nele e ela retruca dizendo que ele estava sendo infantil. Antes que a briga desandasse para a parte física, Aoi foi embora e tornou-se um Eremita;
— Quase um ano e meio depois, um homem de idade chamado Cagliostro chega em frente a Aoi e lhe avisa que deveria segui-lo. Caso contrário, sua alma seria separada do corpo. Aoi soterrou Cagliostro em um barranco;
— Takashima Aoi é morto com o uso de uma magia que levou 1 ano e meio para ficar pronta. Essa magia basicamente dá um fim no alvo sem que as pessoas sintam a falta dele, pois remove sua alma deixando um substituto no lugar que imita todos os hábitos do alvo. Perfeito para usar em Eremitas, pois as pessoas ao redor passam a acreditar que sua alma atingiu a Iluminação.
Fim. Forçadíssimo!
O comportamento de Aoi foi perfeitamente compreensível, e me lembrou de um episódio de Os Simpsons chamado “O Inimigo de Homer”, onde nos é apresentado o personagem Frank Grimes.
Grimes era um personagem deslocado, uma pessoa normal dentro de um desenho animado. Não podia dar outra:
“Eu não preciso de luvas protetoras, porque eu sou Homer Simpson“!
Antes de julgá-lo, saibam que muita coisa acontece até Grimes fazer algo tão radical. Dê uma olhada na biografia de Frank Grimes que traduzi aqui no Masmorra Descuidada.
Finalmente, posso chegar à conclusão: a interpretação do personagem pelo jogador foi impecável, exatamente como se ele fosse uma pessoa comum do nosso mundo. Porém, ele acabou se mostrando um péssimo protagonista, pois eu me esqueci de avisar ao jogador que Senso Comum não funcionava em minha campanha.