Para mim, a experiência mais desagradável possivel numa campanha é me deparar com o auto-denominado “Personagem Aloprado”: um personagem desenvolvido pelo jogador especificamente para descarrilar a campanha.
Esta matéria é justamente sobre como faço para evitar esse tipo de personagem nas minhas campanhas.
No passado, eu permiti que personagens variados participassem em campanhas que eu fiz, mas apenas quando tais personagens eram coesos. Muitos dos meus colegas Mestres de RPG ficaram surpresos que isso funcionou bem para minhas campanhas, mesmo quando eu aceitava em meu grupo jogadores que eles haviam expulsado das campanhas deles.
A técnica que uso consiste em colocar algumas restrições especiais em TODOS os PJ’s. Se o jogador quiser criar um personagem, eu digo a ele que proponha um personagem que deve atender aos seguintes critérios:
- Seu Personagem deve ter uma motivação diferente de ganância ou desejo por poder.
- Seu Personagem deve saber trabalhar em equipe.
- Seu Personagem não deve pensar conscientemente em si mesmo como um cara bom/mau/comportado/travesso/etc.
- Seu Personagem não deve fazer nada simplesmente porque sua ausência de Personalidade permite.
- Seu Personagem não têm permissão para ser estúpido.
As razões para essas regras são as seguintes:
- “Seu Personagem deve ter uma motivação diferente de ganância ou desejo por poder.” Essa regra ajuda porque o RPG é, basicamente, um jogo de escolhas. As escolhas mais interessantes são aquelas em que um ou mais objetivos de um personagem entram em conflito. Para personagens bons/neutros, tais escolhas são fáceis de configurar e provavelmente ocorrerão organicamente - seu desejo de ser bom/não ser o mal naturalmente se encontrará em oposição a seu desejo de riqueza, seu desejo de sobrevivência, e muitos dos outros objetivos que eles possam ter. Porém, para certos personagens, no entanto, se eles não tiverem algum tipo de motivação incomum, seus objetivos estarão constantemente alinhados um com o outro - o que torna as decisões chatas e o jogo entediante. A motivação não tem que ser virtuosa, ou mesmo socialmente aceitável - pode ser ódio de um algo em particular, um desejo de vingança, um desejo de ser aceito por aqueles mais acima na escala social, ou qualquer outra motivação. No entanto, precisa ser mais do que simples sobrevivência e ambição.
- “Seu Personagem deve saber trabalhar em equipe.” O raciocínio aqui é simples, o jogo não é muito divertido quando o grupo é completamente disfuncional. Em jogo, a pergunta muitas vezes é levantada no estilo “Mas eu sou ASSIM, por que eu iria querer fazer TAL COISA?!” Existem três maneiras fáceis de responder a essa questão (obviamente, muito mais existem, mas estas são as três maneiras mais rápidas de justificar as ações de um personagem jogador). Primeiro, eles podem ser ‘assim’, mas levam sua palavra de honra muito a sério. Em segundo lugar, eles podem ser ‘assim’, mas ainda assim serem capazes de formar amizades e querer ajudar seus aliados. Isso é algo que muitas vezes é esquecido sobre personalidades de personagens - nada proíbe um Paladino de receber ordens de um clérigo maligno numa posição de autoridade em sua igreja, ou que um Algoz tente ajudar seus aliados. Caramba, mesmo a maioria das pessoas da vida real que possuem alguma forma de psicopatia provavelmente tem amigos. Seres sencientes tendem a formar laços uns com os outros. Em terceiro lugar (e eu prefiro que meus jogadores evitem este, mas é muito comum na ficção, então eu o listarei aqui mesmo assim) é que o personagem geralmente precisará dos outros PJ’s para lidar com uma ameaça mais séria.
- “Seu Personagem não deve pensar conscientemente em si mesmo como um cara bom/mau/comportado/travesso/etc”. Eu às vezes recebo uma bronca nesse ponto. No entanto, muito poucas pessoas reais se identificariam como “bandidos” ou “malucos”. É possível que o personagem acredite que seu código ético é melhor que o da sociedade, ou simplesmente racionaliza seu comportamento como necessário - mas um personagem que se considera ativamente ruim está entrando no território de interpretação de um sociopata (o que NÃO deveria ser permitido).
- “Seu Personagem não deve fazer nada simplesmente porque sua ausência de Personalidade permite.” Mais uma vez, se um personagem está fazendo algo mecanicamente (literalmente, caso o jogo possua alguma regra semelhante aos Alinhamentos de D&D) ao invés de por um motivo pelo menos passional, ele é um sociopata. Ele pode fazer coisas tanto boas quanto horríveis em nome de sua motivação, mas se ele faz as coisas APENAS por fazer, sem nenhum tipo de emoção, é melhor ele simplesmente largar as partidas e deixar o controle do personagem dele na mão do mestre.
- “Seu Personagem não têm permissão para ser estúpido.” Esta regra está aqui para manter o jogo fluindo. Não importa a situação, não há desculpa para seu personagem ser estúpido. Personagens estúpidos causam mal-entendidos terríveis - alguns engraçados, outros dignos de linchamento - mas se o Paladino do grupo resolve matar um comerciante goblin porque notou sua aura maligna, ele vai trazer problemas para o grupo como um todo no longo prazo.
Obviamente, estas regras não excluem 100% dos jogadores problemáticos. No entanto, em geral, acho que é possível executar campanhas formadas por grupos de personalidades mistas como uma experiência agradável para todos quando essas regras são seguidas.
A outra coisa importante sobre essas regras é que elas são todas escritas para se aplicar ao que o personagem é, não o que o personagem faz. Um personagem ainda precisa ser capaz de agir de acordo com sua personalidade e caráter, ou não há sentido em interpretar um personagem que parece ser feito de porcas e parafusos. O objetivo dessas regras é criar um personagem que não atrapalhe o jogo para todos ou mesmo para si mesmo.